quinta-feira, 31 de maio de 2012

Um pirata nas Caraíbas. Parte 1/3

Logo no dia em que cheguei, fiquei sozinho no Ibero, os espanhóis tiveram que ir não sei onde. Arrumei as minhas cenas, comi qualquer coisa e deitei-me a dormir uma sesta. Passado um bom bocado, acordo com o barulho de água a correr, meio assarapantado, levanto-me e dou uma cabeçada na antepara que dava acesso à casa de banho (a cabeçada aconteceu muitas vezes durante toda a viagem, um raspão no cucuruto da cabeça, muito doloroso e que chegou a fazer sangue). Da sanita corria imensa água e no chão já havia dois palmos de água.Tinha-a usado antes de me deitar, e deixei alguma coisa mal fechada; a válvula da sanita é abaixo da linha de água do barco, se ficar aberta, como foi o caso, é suficiente para em poucas horas afundar o barco. Felizmente dei conta. Consegui fechá-la e, depois, utilizei uma bomba de fundo, própria para esgotar a água de dentro do barco. Todos os barcos a têm. Existia também uma eléctrica mas não sabia onde se ligava. Estive um bom bocado a dar à bomba e outro a limpar tudo. Não contei a ninguém o que aconteceu. Por pouco não afundei o barco no primeiro dia, lol.


 

Em 2001 passei o Atlântico Norte à vela. Três meses no veleiro cheio de cerveja no mais puro espírito legalize! Ai que saudades da vida boa!
Uns anos antes conheci um cota espanhol com um veleiro, o Sebas. Eu e outros amigos portugueses e espanhóis viajamos por várias vezes entre Lisboa, Cádis e Málaga. Mais tarde, ele zarpou do sul de Espanha para as ilhas Canárias, viagem essa que não consegui fazer, por estar ocupado com outros assuntos. Passado cerca de um ano fui ter com ele à Gran Canária. Ele vivia a bordo com a namorada, a Emi, aí 20 anos mais nova que ele. Uns dias depois de eu chegar, juntou-se a nós ainda um outro espanhol um pouco mais velho que eu, o Rafa.

Cheguei de avião vindo de Madrid, com mochila às costas e cheio de vontade de aventuras. Os meses anteriores tinham sido de intenso trabalho a fazer topografia em obras, a trabalhar no duro para juntar o máximo de dinheiro para a viagem. Quando chegou a hora disse adeus ao patrão e raspei-me com o bolso confortável de escudos.
O Porto de Mogan, nome da terra de onde saímos, era um local cheio de marinheiros, ponto de passagem quase obrigatório para quem quer passar o Atlântico, nas três semanas que lá estive fartei-me de ouvir histórias de marinheiros com viagens intrépidas...

Ouvi de tudo, mas houve duas histórias que nunca mais esqueci. Uma foi a deste barco azul que chegou enquanto lá estávamos; era de um rapaz francês que queria passar o atlântico a remos!! O barco era tipo um fórmula 1 dos barcos a remos, tinha sido construído e idealizado pelo próprio francês, era todo em fibras de carbono e epox, etc. Basicamente era um chinelo onde na parte de cima havia uma cadeira de remo montada sobre carris e por dentro havia um corredor com uma colchonete para dormir, onde só se cabia deitado, a cada lado do corredor haviam compartimentos para arrumar os víveres, na zona onde se entrava para dentro do "chinelo" havia espaço para estar sentado com as costas direitas.



Esse sítio que dava para ele se sentar tinha uns cintos de segurança e tinha também um capacete. Em caso de anticiclone era ali que ele se refugiava, capacete, cintos de segurança e pegas para se agarrar. Na realidade, o que ele ia tentar fazer era uma repetição do que já tinha feito no ano anterior, numa embarcação parecida com esta mas a pedais, tipo gaivota! Foi o primeiro homem a atravessar o Atlântico a pedais! Nesse ano queria bater o record a remos. Da travessia a pedais contou-me que por três vezes chegou a estar sentando e amarrado na cadeira de segurança durante dois ou três dias, enquanto o barco rebolava nas ondas, sozinho no meio da imensidão do oceano... de meia em meia hora, no máximo, tinha que abrir a pequena escotilha que tinha em frente à cara para poder renovar o ar do seu hermético Tupperwear. Demorou três meses a chegar às Caraíbas.
Remar ou pedalar dava igual! São os ventos Alísios que o levam.... em todo o caso ele era como um atleta olímpico, cumpria um horário escrupulosamente, fazer comida, horas de remar, etc. O que mais me impressionou foi o facto de não levar água, seria impossível levar água para tanto tempo, num barco tão pequeno. Tinha um dessalinizador alimentado por uma pequena bateria carregada por um painel solar, tinha um telefone satélite e comida liofilizada, mais nada. À pergunta «não tens medo?» olhou para mim com os seus olhos brilhantes, riu-se e disse-me «tenho medo de me cortar com o meu canivete suíço, o apêndice mandei tirar para não ter nunca uma apendicite no meio do mar!»  Boa sorte companheiro. G'anda maluco!!

Outra história incrível resume-se a estas duas fotos:


Não ouvi a história contada na primeira pessoa. Tirei as fotos e andei a indagar o que raio era aquilo. Estava num canto da marina no meio do lixo e de sucata, tinha aspecto de já ali estar há uns bons anos mas tinha sido guardado com algum cuidado, provavelmente para ser novamente utilizado. Basicamente era uma bola de ferro com um mastro e uma vela, tipo a persiana de uma casa. Tinha uns 2,5m de comprido por 1m de largura. Uma bola flutuante, mas tipo submarino... O que me contaram foi que um maluco inglês, já cota, tinha vindo de Gibraltar dentro daquela invenção. Demorara quatro meses a chegar aqui, uma viagem que se faz em pouco mais de uma semana. Tinha intenção de atravessar o oceano dentro daquela bola! Quando aqui chegou vinha completamente tresloucado, já o devia ser quando começou...!
A viagem acabou aqui. Mas ele continuava por cá desde então, errante... era um sem abrigo, normalmente bêbado.

Aqui estão o Sebas e a Emi a testar o nosso magnífico dingy, o barco auxiliar. O fora de bordo do dingy era uma autêntica relíquia que só funcionou neste dia, antes de iniciarmos a viagem. Tudo no Ibero era como o dingy, completamente velho e/ou tinha sido oferecido por alguém que já não o queria... a começar pelo próprio barco.

IBERO
No entanto o IBERO era um excelente veleiro. Tinha sido fabricado em França nos 60, era de design Van der Stadt, modelo Excalibur 36 (11m), tinha uma longa quilha corrida com balastro de chumbo incorporado, 9 toneladas de peso. Um gigantesco mastro de alumínio anodizado amarelo. O casco era de linhas elegantes e fortíssimo, de sandwish de contraplacado e fibra de vidro. Muito manobrável e muito bom marinheiro, nos anos 60 foi um grande barco de regatas oceânicas.
O Sebas navegava nele há muitos anos, tinha sido comprado por tuta e meia, num leilão, depois de ter sido apreendido com  droga dentro...
A bordo, a tecnologia resumia-se a um extintor, 2 GPS pequenos, tipo telemóvel. Tínhamos um VHS de curto alcance, a um dia de viagem já não conseguiamos falar a ninguém, tinhamos um frigorífico a gás, um radio de ondas médias que supostamente dava para ouvir a previsão metereológica no meio do mar, mas nunca conseguimos sintonizá-lo e a maior novidade deste ano era que o velho auto-rádio de cassetes tinha sido substituído por um outro com leitor de CD, uao! Tínhamos também um piloto automático novo, que funcionava bem, mas raramente o usámos para o pouparmos... 2 painéis solares e um windogerador. Fez-se um reparação nas velas e  levou um guincho manual novo para levantar o ferro.
Durante este tempo fui aprendendo e relembrando todos os termos naúticos em espanhol.
Os dias foram passando em Porto Mogan, entre preparativos e idas ao bar  de um amigo em frente à marina.


O Joan o dono do bar era o das barbas, também um marinheiro de várias voltas ao mundo à vela, cheio de histórias, o Rafa é o mais alto dos óculos, a Emi é a loira sorridente no meio, eu estou à esquerda, o Sebas à direita com uma cerveja na mão, como sempre tinha uma cerveja na mão (acho que só a pousava para acender o cigarro!), as outras duas moças eram amigas canárias.
Por várias vezes subi ao mastro do barco, com o arnês de escalada, para reparar várias coisas. Causava sempre grande sensação nos inúmeros turistas que todos os dias passeavam por alí, Los Gires, como lhes chamava o espanhol.
Lá fomos ganhando coragem... até que chegou o dia...
(continua)

PS: as fotos não têm grande qualidade... foram digitalizadas de slides e foi o que se arranjou. O original é bastante melhor.








segunda-feira, 7 de maio de 2012

Com quantos paus se faz uma canoa?

Com quantos paus se faz uma canoa? respondi a esta filosófica questão em 2005. Apaixonei-me loucamente por um projecto de construção de uma canoa de madeira... só consegui parar 9 meses depois quando a lancei à água.
Sempre sob a máxima "every man must paddle his own canoe" que é como quem diz "cada um que se desenrasque".
O resultado foi este:




O projecto foi comprado pela net em  http://bearmountainboats.com/ e foi inteiramente home-builded, na minha garagem. Tem 5,5 m e pesa cerca de 25 quilos. Contei com a preciosa ajuda do amigo Mykola Tuchappsky. Os materiais de construção são madeira (pinho nórdico), cola branca de madeira, fibra de vidro e resina epox; nada de pregos e parafusos só para segurar os bancos. O resultado continua a maravilhar-me, depois de sete anos. Já teve algumas ligeiras reparações, mas basicamente verniz no fim da época é o suficiente para ficar como nova. É de uma solidez a toda a prova, carrega 250 quilos sem problema, assim haja braços para os pagaiar. Já fiz várias jornadas de vários dias (Rio Mira, Tejo, Sado; Zezere, etc)... é do outro mundo, ao fim da tarde, virá-la ao contrário na margem de um rio, estender o saco cama, aquecer uma sopa no camping-gás e contar as estrelas... Adoro a minha canoa :)
Ah é verdade, resposta à pergunta é: com um monte de paus... Hehehehe!