Na manhã de 11 de Julho, o 12º dia de viagem, e já com 7271 Kms andados, saí cedo da caravana improvisada. As melgas tinham-me azucrinado toda a noite e precisava de me coçar.
O dia anterior acabara mal. Pensávamos chegar a Yerevan, capital da Arménia, e descobrir um hotelzeco para tomar um bom banho. Da língua dos arménios não sabíamos nem uma palavra e os caracteres ninguém os entende, mas tínhamos esperança de encontrar o que se vê em muitos países – por debaixo do reclame na língua do país, a palavra Hotel, mais conhecida internacionalmente.
Pois não senhor. O único “Hotel” que vimos era um daqueles que tem só um quarto e só uma cama…. e muitas figuras nuas pregadas na parede… O Ricardo, que entrou sozinho enquanto eu fiquei a guardar o carro, ainda quis saber o preço, mas a patroa perguntou se era só para uma hora.
Com tanto percorrer ruas fez-se noite. Apercebemo-nos de que já estávamos a sair da cidade e que se via mal. Uma espreitadela, o carro não tinha médios – só um mínimo e máximos.
-Encosta aí, esquece o hotel e é aqui mesmo que ficamos. Uma noite não são noites! De manhã, depois de coçar as melgas e de uma higiene sumária, cuidámos de avaliar a situação. O GPS não funcionava desde que saíramos da Turquia e, com as voltas à noite, tínhamos perdido a orientação.
Uns metros mais acima estava um motorista de táxi a lavar o carro.
-Boa ideia, com o mapa tentamos que ele perceba qual é a direcção que queremos seguir e que nos indique a melhor saída da cidade. Em último caso ele que vá à nossa frente!
O homem foi atencioso, percebeu rapidamente o nosso problema e fez-nos compreender que estávamos no sítio certo – era mesmo por ali que devíamos seguir.
-Que raio, é o homem que percebe o nosso mau inglês ou somos nós que falamos arménio sem saber? Talvez os leitores não saibam, mas o ponto mais conhecido da Arménia é… é o quê?
…é o Monte Ararat, é evidente, aquele aonde a Bíblia diz que encalhou a arca de Noé depois que as águas do dilúvio foram descendo…
…Vocês não acreditam nisto, pois não?
…pois olhem que o problema é muito mais complicado do que parece. Talvez eu tenha por aí espaço para escrever alguma coisa sobre essa matéria. Se não, fica para outra vez!
Para acabar com as dúvidas e termos a certeza de que o homem estava a falar a sério perguntámos:
-E o monte Ararat?
E não é que o homem nos faz entender que sigamos por aquela estrada, que, uns 500 metros mais adiante, já vemos o Monte Ararat?...
Meio convencidos, agradecemos, despedimo-nos como pudemos e o homem responde:
-Auf widersehen…
Aí, a nossa admiração foi ao rubro. Auf Widersehen é alemão e significa: Até à próxima!
O homem certamente andou cá por estes lados e lá se apercebeu de que, mesmo não falando nós alemão, sempre devíamos entender melhor do que em arménio.
Umas centenas de metros mais adiante lá estava ao fundo o Monte Ararat. Tal qual como nas imagens que tínhamos visto na internet. O grande Ararat com os seus 5156 m de altura e, um pouco à esquerda, o pequeno Ararat que se fica pelos 3914. Estávamos longe, a uns bons 60 Kms, e não estava nos nossos planos chegarmos mais perto… mas não há dúvida de que é uma visão inconfundível. No meio do imenso planalto que é a Arménia destacam-se aqueles morros que, à distância a que estávamos, até parecem pequenos, coroados no pico pela brancura da neve eterna.
Encostámos a carrinha, saudámos o gigante e pedimos licença para o fotografar. Ele não respondeu nada. Ou só fala arménio ou então está tão farto de ser fotografado por máquinas do último modelo que nem dá pelos nossos equipamentos de bolso. Foi um fartote de fotografias, mas são todas iguais. Dum morro a 60 Kms de distância, com mais ou menos zoom, em automático ou manual, tudo o que se possa tentar não faz grande diferença.