quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Ganda calhau!!


Cercanias de Palência.



Nem só de logros canoísticos vive o homem... E no último fim de semana tocou-me ir à montanha.
O amigo Joel e eu andamos o verão todo a adiar uma desejada ida aos Picos da Europa (Astúrias, Espanha), mas ou estávamos em baixo de forma, ou chovia,  ou havia muita gente, ou não dava jeito, ou... o raio... Com verão já a acabar, apontamos o feriado do 5 de Outubro, na verdade decidimos na véspera, a previsão da meteo era do melhor.
Às duas da manhã estávamos na rotunda norte de Fátima prontos a andar, não sem antes ter soprado no balão da GNR, mesmo à porta da minha casa.


Garganta de Cares.




Oito horas de auto-estradas e auto-vias e estávamos em Sotres a pôr as mochilas às costas.
















Duas horas e meia a subir, 810m de desnível e estávamos na base do Naranjo de Bulnes.
Face Oeste do Naranjo de Bulnes, um dos maiores monólitos do Mundo e um ícone na escalada mundial.

Refúgio Vega Urriello, todo o conforto mesmo na base do calhau.




















Tradicionalmente, os refúgios de montanha servem para dar guarida aos montanhistas, para os proteger das inclemências da montanha... Aos poucos, e à medida que as montanhas vão sendo cada vez mais frequentadas, vão-se transformando em pequenos hotéis, onde, pagando, há de tudo. As federações de montanha vão explorando os potências económicos destes locais privilegiados  Neste refúgio já não é preciso trazer nada, com o preço da dormida (12€ não federados) tem-se direito a um par de Crocs para não ir de botas para o quarto, e um saco do IKEA com uma almofada e um edredon com capas. 
Pagando, tem-se também duche de água quente, pequeno almoço, almoço e jantar, garrafa de vinho, café, cerveja ou coca-cola. À borla tem-se companhia na cama, os quartos são camaratas com beliches onde cabem cinco ou seis pessoas lado a lado, eu dormi entre o Joel e uma inglesa de dois metros de altura com o cabelo vermelho! no nosso quarto fala-se pelo menos quatro línguas diferentes.
Mas quem quiser pode acampar na rua, por enquanto...



Antes de sermos repreendidos por usar o fogão! cozinhar tem de ser na rua! novas regras da federação. Como será que fazem no inverno?
Rebecos, sobem a todos os cumes dos Picos menos a este, o Naranjo de Bulnes.





O Naranjo é uma parede cheia de histórias. A sua silhueta monolítica é o emblema da montanha espanhola. Um pico inexpugnável onde não é possível aceder sem ser escalando. A face Oeste com os seus 500m é super vertical, foi e continua a ser motivo de cobiça pelos melhores escaladores do mundo
Cordadas lendárias traçaram aqui as suas vias: em 1962, Rabadá-Navarro sobem pela primeira vez a face Oeste;  mais recentemente, em 2009, os irmãos Iker e Eneko Pou, que consideraram a sua via Orbayu a mais difícil do mundo numa parede desta dimensão; pouco depois, outro famoso, Nico Favresse, disse que afinal a via deles não era assim tão difícil, polémica para vender na imprensa da especialidade. Poucos dias depois da repetição, o companheiro de Nico, o Polaco Adam Pustelnik, parte uma presa e arranca três proteções, cai diretamente ao chão de 20m de altura e tem férias prolongadas no hospital.
Também portugueses deixaram aqui o seu nome: Francisco Ataíde e Sérgio Martins em 1996 abrem a via Quinto Império 8b, uma via dificílima e de excelente qualidade, apenas repetida pelos melhores.
Existe aqui uma via, Sonhos de inverno, que foi aberta durante o inverno, durante cerca de 70 dias, que é o recorde mundial de permanência em parede, 69 bivaques, sem vir ao chão a dormir em tendas suspensas e com temperaturas bem negativas!
Atualmente existem cerca de 70 vias diferentes para subir pelas diversas faces.
Em Dezembro 1997, acompanhei o ilustre escalador Paulo Roxo na tentativa de abrir uma nova via pela face norte da Parede, mas não chegamos a fazer cocegas à parede, abrimos um largo e meio... mais tarde uma cordada, acho que de polacos, abriu a nossa linha.


A gélida face norte em 1997.
Paulo Roxo num penoso acesso com muita carga em 1997.






No inverno de 1997.

Eu no topo em 1994, era bem mais novo!
A primeira vez que aqui vim foi no verão de 1994, tinha uma corda de 60m, 10 expresses e um amigo que não percebia nada de escalada. Subimos a face sul pela via mais fácil, a Directa de los Martines. Foi muito fixe, uma experiência inesquecível!  Depois da escalada, voltei a Minde à boleia, demorei quatro ou cinco dias a chegar a casa, três dos quais sem dinheiro e sem comida ☺




Joel Vieira no primeiro largo da via Murciana.

Desta vez não ficamos com grande história para contar.  A meio da noite, enquanto era esborrachado entre o Joel e a inglesa de cabelos vermelhos, comecei a ouvir vento lá fora, entre acordar e adormecer fui pensado que devia ser um vento fraco, - faz tanto barulho por causa dos painéis solares... pensava eu a tentar convencer-me. Quando amanheceu saí lá fora e vi que de facto o vento era forte, muito forte. Ainda lá fomos e subimos o primeiro largo da via, mas, como dizem os espanhóis, no estabamos a gusto. Não nos conseguíamos ouvir, as mãos a gelar, e o  desequilíbrio constante das rajadas...
Descemos ao refúgio, agarramos as mochilas e viemos beber umas cañas à aldeia de Sotres.
Ficam umas belas fotos, a vontade de voltar para o próximo verão, mais 1600 km na Berlingo e a confirmação que este é um ganda calhau!!








Quero viver numa assim...

...estoupraver...

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